sexta-feira, 29 de maio de 2009

Leve impressão de quem já vai tarde

"Solidamente acorrentado à infinita encruzilhada torna-se o Passageiro por excelência, o prisioneiro da passagem. E a terra à qual aportará não é conhecida, assim como não se sabe, quando desembarca, de que tera vem. Sua única verdade e sua única pátria são essa extensão estéril entre duas terras que não lhe podem pertencer." (Foucault)

Habitando o "entre" me sinto suspenso: nem tão londe, posto que ainda enxergo, nem tão perto, tendo em vista o que já não posso tocar. Rompe-se Fortalezina: debaixo d'água diluem-se sentimentos e naufragam ilusões.
Como despedida a Morte, que me faz pensar a quanto tempo já estava lá, espreitando, ganhando terreno... Quantas mortes cotidianas enfrentamos sem ao menos nos darmos conta: um amigo que já não lembro mais, um sapato que já saiu de moda, um livro que já não leio, canções que já não ouço, palavras que se calaram, territórios onde já não sou...

domingo, 5 de abril de 2009

De alguém para ninguém

"É só saudade..."

Tava lembrando dessa música e do jeitinho doce da Lú cantando... lembrando também do Hélio Filho pedindo pra repetir... e mais uma vez "me emocionei muitíssimo" (como costumo dizer plagiando a Gal).

"É só saudade mas doi tanto quanto te olhar..."

Olhar pras camadas sedimentadas de saudade que me sufocam a garganta fez deste dia um tanto penoso, sei lá...

"É só saudade... dói como o frio, como falta do que respirar..."

Pausa pra atender o telefone. Notícias de Teresina: festa surpresa na casa do Sobrinho (aniversário dele) e todos falando em mim, sobre a minha falta... "Até a D. Raimunda disse: 'só ta´faltando o Felipe'."

"E o coração de quem ama fica faltando um pedaço que nem a lua minguando, que nem o meu nos teus braços..."

Ops, interferência na rádio...
É engraçado, ia escrever sobre uma coisa e terminei divagando sobre outras. De qualquer forma, antes de ficar ainda mais piegas e gritar por socorro ou cantar amor febril, vou ficando por aqui. No fundo mesmo o que eu queria dizer é que não é muito fácil passar de alguém para ninguém. Simples tranferência de estado emocional e político...

Acaba delírio linguístico...

quinta-feira, 2 de abril de 2009

Quase



A cidade toda amanhece.
Somente eu entardeço com aquele gosto de saudades na boca...



Um Dia de Domingo




Dia desses, numa dessas intermináveis viagens de ônibus aqui em Fortalezina em que o exaustivo entra-e-sai de pessoas me deixa com a enorme sensação de nada mais ser que um reles "sujeito passageiro", me surpreendi quando ouvi tocar no rádio uma música da Gal - Um Dia de Domingo - e foi como se de repente, no meio daquele inferno, eu descobri-se uma epifinia, uma daquelas pequenininhas que o Caio Fernando fala... Na verdade eu nem gosto muito dessa música, mas não era ela em si, nem mesmo a voz da Gal (embora isso já fosse muito) o que me surpreendia... nem sei bem o que me surpreendia de verdade... Quer dizer, até sei o que era mas é difícil explicar de uma forma lógica... sei lá... confuso mesmo né!? Mas o que eu senti naquele instante não era confuso pra mim, nem mesmo agora as lembraças desse momento me parecem confusas... pra mim é muito claro: tão claro que chega a ferir os olhos de quem vê. O que eu sei é que nesse momento, ali sentado dentro do ônibus com o vento batendo no meu rosto, se eu fosse um cachorro teria colocado minha cabeça pra fora da janela só pra sentir a baba escorrer, sem peso, carregada pelo vento... Um prazer de cachorro pra uma vida de cão.

domingo, 29 de março de 2009

Tecelão de Inventos Cotidianos

Ainda ontem à noite eu te disse que era preciso tecer. Ontem à noite disseste que não era difícil, disseste um pouco irônica que bastava começar, que no começo era só fingir e logo depois, não muito depois, o fingimento passava a ser verdade, então a gente ia até o fundo do fundo. Eu te disse que estava cansado de cerzir aquela matéria gasta no fundo de mim, exausto de recobri-la às vezes de veludo, outras de cetim, purpurina ou seda — mas sabendo sempre que no fundo permanecia aquela pobre estopa desgastada. Perguntaste se o que me doía era a consciência. Eu te disse que o que me doía era não conseguir aceitar minha pobreza. E que eu não sabia até quando conseguiria disfarçar com outros panos aquele outro, puído e desbotado, e que eu precisava tecer todos os dias os meus dias inteiros e inventar meus encontros e minhas alegrias e forjar esperas e me cercar de bruxos anjos profetas e que naquele momento eu achava que não conseguiria mais continuar tecendo inventos. [...] de repente percebi que os papéis tinham rasgado, o veludo esgarçado, as sedas desbotadas, e o que ficava era aquela estopa puída velha gasta: a pobreza indisfarçável de ser o que eu não tinha. [...] E eu te disse que além do que não tínhamos, não nos restava nada. Disseste depois que o dia inteiro só querias chorar, e que eu aceitasse. Eu disse que achava bonito e difícil ser um tecelão de inventos cotidianos. E acho que não nos dissemos mais nada, e dissemos outra vez tudo aquilo que já havíamos dito e diríamos outras e outras vezes, e de repente percebemos com dureza e alívio que já não era mais o dia de ontem — mas que conseguíramos sentir que quem não nascer de novo já era no Reino dos Céus. (Caio Fernando Abreu)

Transcrevi este trecho do livro "O Ovo Apunhalado" no intuito de justificar a escolha do nome do meu blogg. Além disso, com ele pretendo que "meus leitores" (sempre quis dizer isso) entendam o que me motiva a escrever e os medos e receios que me cercam nessa hora... Impressões de minhas paisagens interna-externas que me confundem em fundem as máscaras que me constroem... Escrevo porque acredito que esta seja uma forma de "botar o dedo na garganta" pra vomitar os sapos que cotidianamente temos que engulir pra sobreviver... Amargura ou esperança? Talvez um pouquinho de cada uma dessas coisas ou qualquer coisa "humana, demasiadamente humana"... Espero que gostem!!!