domingo, 29 de março de 2009

Tecelão de Inventos Cotidianos

Ainda ontem à noite eu te disse que era preciso tecer. Ontem à noite disseste que não era difícil, disseste um pouco irônica que bastava começar, que no começo era só fingir e logo depois, não muito depois, o fingimento passava a ser verdade, então a gente ia até o fundo do fundo. Eu te disse que estava cansado de cerzir aquela matéria gasta no fundo de mim, exausto de recobri-la às vezes de veludo, outras de cetim, purpurina ou seda — mas sabendo sempre que no fundo permanecia aquela pobre estopa desgastada. Perguntaste se o que me doía era a consciência. Eu te disse que o que me doía era não conseguir aceitar minha pobreza. E que eu não sabia até quando conseguiria disfarçar com outros panos aquele outro, puído e desbotado, e que eu precisava tecer todos os dias os meus dias inteiros e inventar meus encontros e minhas alegrias e forjar esperas e me cercar de bruxos anjos profetas e que naquele momento eu achava que não conseguiria mais continuar tecendo inventos. [...] de repente percebi que os papéis tinham rasgado, o veludo esgarçado, as sedas desbotadas, e o que ficava era aquela estopa puída velha gasta: a pobreza indisfarçável de ser o que eu não tinha. [...] E eu te disse que além do que não tínhamos, não nos restava nada. Disseste depois que o dia inteiro só querias chorar, e que eu aceitasse. Eu disse que achava bonito e difícil ser um tecelão de inventos cotidianos. E acho que não nos dissemos mais nada, e dissemos outra vez tudo aquilo que já havíamos dito e diríamos outras e outras vezes, e de repente percebemos com dureza e alívio que já não era mais o dia de ontem — mas que conseguíramos sentir que quem não nascer de novo já era no Reino dos Céus. (Caio Fernando Abreu)

Transcrevi este trecho do livro "O Ovo Apunhalado" no intuito de justificar a escolha do nome do meu blogg. Além disso, com ele pretendo que "meus leitores" (sempre quis dizer isso) entendam o que me motiva a escrever e os medos e receios que me cercam nessa hora... Impressões de minhas paisagens interna-externas que me confundem em fundem as máscaras que me constroem... Escrevo porque acredito que esta seja uma forma de "botar o dedo na garganta" pra vomitar os sapos que cotidianamente temos que engulir pra sobreviver... Amargura ou esperança? Talvez um pouquinho de cada uma dessas coisas ou qualquer coisa "humana, demasiadamente humana"... Espero que gostem!!!